O PROJETO

Sobre

Em Corumbajuba, a Folia de Santos Reis é mais do que uma tradição — é um elo sagrado entre fé, cultura e identidade.

A Folia de Reis é uma celebração católica de origem portuguesa que se enraizou profundamente na cultura popular brasileira, especialmente nas comunidades do interior. Atualmente é um patrimônio imaterial da cultura brasileira, tratando-se de uma festa religiosa e cultural que remonta à jornada dos três Reis Magos, guiados por uma estrela até o local de nascimento do Menino Jesus. Eles viajavam à noite e se escondiam durante o dia. Ao chegarem a Belém, acreditaram que encontrariam o Messias num palácio, por isso foram para a cidade, mas a estrela se apagou. Sem abrigo, foram guiados por uma voz para fora da cidade, onde a estrela voltou a brilhar, conduzindo-os até a manjedoura. Herodes, temendo a chegada de um novo rei, pediu para ser informado caso os magos encontrassem o Menino. Após a visita, José teve um sonho alertando-os para voltarem por outro caminho. Na fuga, diante de uma ponte vigiada por soldados, receberam nova orientação divina: dois companheiros se disfarçaram, confundindo os guardas e abrindo passagem para o grupo.

Essa peregrinação tornou-se símbolo de fé e inspiração para a criação da Folia de Reis — manifestação que une religiosidade, canto e cultura popular, transmitida entre gerações como gesto de devoção e resistência. A cada julho de todos os anos, a comunidade rural de Corumbajuba revive essa expressão da religiosidade popular brasileira: a Folia de Santos Reis. 

Conforme a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial da UNESCO de  2003, patrimônio imaterial “são os usos, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são inerentes – que as comunidades, os grupos e em alguns casos os indivíduos reconheçam como parte integrante de seu patrimônio cultural”. Além disso, o patrimônio imaterial deve ser aquele que é “transmitido de geração em geração, é recriado constantemente pelas comunidades e grupos em função de seu entorno, sua interação com a natureza e sua história, infundindo-lhes um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”. 

Com base no conceito de patrimônio imaterial, em 2023 o governo do Estado de Goiás sancionou a Lei Estadual nº 22.270, que declara Patrimônio Cultural Imaterial Goiano as comemorações de Folia de Reis e Festa do Divino Espírito Santo realizadas em todo o estado. Como forma de reconhecer essa manifestação cultural no país o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por meio do  Edital de Chamamento Público 02/2023 – Instrução Técnica para Processo de Registro dos Reisados e das Folias de Reis, selecionou organizações para executar trabalhos de pesquisa e documentação para subsidiar os processos de registro de Folia de Reis e Reisado, Brasil a fora buscando preservar um patrimônio que transmite, de geração em geração, valores de fé, solidariedade e identidade coletiva.

Esse reconhecimento dialoga diretamente com a Política Nacional Cultura Viva, instituída pela Lei nº 13.018/2014, que estabelece que o acesso à cultura é um direito social e dever do Estado. Diferentemente de políticas centralizadoras, a Cultura Viva aposta no fortalecimento de grupos culturais autônomos, como a Folia de Corumbajuba, que atua como um verdadeiro Ponto de Cultura, reunindo saberes locais, gerações e práticas tradicionais. A iniciativa visa fortalecer a cultura comunitária, promover a inclusão social, valorizar a diversidade cultural brasileira e preservar expressões de base popular e histórica. 

Em Corumbajuba, essa missão é conduzida por nomes como Seu Pedro Paulo Miranda e Vicente Felismino, capitães negros da folia, símbolos da ancestralidade e liderança que mantêm viva a chama da tradição com espiritualidade e resistência. Desse modo, ações complementares como as oficinas de músicas oferecidas pela Skambau Produções demonstram o quanto a cultura pode transformar e mobilizar a comunidade local.

Em escala global, essa valorização cultural está em sintonia com os princípios da UNESCO, que reconhece a diversidade cultural como patrimônio da humanidade. Através da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e do Fundo Internacional para a Diversidade Cultural, a UNESCO promove políticas que apoiam iniciativas como a Folia de Corumbajuba, entendendo que a cultura é essencial ao desenvolvimento humano, à paz e à sustentabilidade. Preservar tradições como a Folia de Reis é, portanto, uma forma de assegurar o direito à memória, de fortalecer as economias criativas locais e de reafirmar o valor das culturas vivas como pilares de cidadania, dignidade e continuidade histórica.

Foliões

A tradição se mantém viva graças ao comprometimento dos mestres e foliões da comunidade. Seu Pedro Paulo Miranda e Vicente Felismino, primeiro e segundo capitães da folia, são referências de devoção e liderança. Esses capitães, dois homens negros, ao assumirem papeis de liderança e referência espiritual, carregam e transmitem saberes que muitas vezes foram silenciados pela história oficial. Em um país marcado por uma história escravista e desigualdade racial, a valorização de lideranças negras em tradições populares reforça a importância da ancestralidade africana na construção das manifestações culturais brasileiras, uma demonstração de resistência e reconhecimento.

Ademais nomes como Adonias, Zacarias (pandeirista), Dona Divina, Rui de Castro, Valcimar, Wilson, Maria da Glória, Teófilo, Eva, Nélio, Geraldo, Cirineu, Emerson, Maria de Lourdes, Raoni, Paulo, Mariana, Ana Laura, Larissa e outros tantos contribuem com talento, dedicação e amor. Cada um carrega a missão de preservar a essência da folia, transmitindo seus conhecimentos e conduzindo o grupo com respeito, espiritualidade e emoção. O palhaço, figura simbólica da folia, também tem papel crucial: representa os magos em fuga de Herodes como eles conseguiram assustar os soldados de Herodes, trazendo humor e mistério, mas também responsabilidade espiritual.

Embaixadas

Um dos elementos mais característicos da Folia são as embaixadas, versos declamados em forma de narrativa poética, que contam a história da viagem dos Reis Magos e seu encontro com o Menino Deus. Em Corumbajuba, essas embaixadas têm um significado ainda mais especial, pois são mantidas com esmero pelo senhor Pedro, mestre e capitão da tradição, que inspira os mais jovens com devoção e cuidado.

Em Corumbajuba, as embaixadas são inéditas, não são ensinadas, decoradas e recitadas de forma ritmada. O embaixador, Pedro Miranda, se entrega à espiritualidade e torna o seu corpo instrumento da mensagem do Divino Espírito Santo. Cada embaixada é única. Em cada embaixada, Pedro se conecta com as pessoas da casa que o recebe, transmitindo palavras, emoções e esperança para quem pode testemunhar esses momentos. Um homem sério, fiel à tradição, com mais de 65 anos nessa jornada de fé e cultura. Pedro afirma que se conecta com as pessoas, com as famílias, com os objetos que decoram as casas, com as imagens que pedem bênçãos e milagres. Diferentemente de outras regiões do país, onde a prática se perdeu ou se transformou. Aqui, a oralidade é única, singular, mantida viva como parte essencial da experiência religiosa e cultural.

Juventude

A Folia de Reis de Corumbajuba é sustentada por um coletivo intergeracional. Mestres como o senhor Pedro e outros foliões antigos atuam como guardiões da memória, ao lado de jovens que assumem os instrumentos, as bandeiras e os versos com respeito e vontade de aprender. Essa convivência entre gerações fortalece a transmissão do conhecimento e renova o compromisso com a continuidade da tradição.

Mariana, a “estrela” da Folia tem 21 anos e já desempenha uma das funções mais importantes. A estrela representa a estrela que guiou os três Reis Magos, até Belém, na dianteira da Folia. Mariana é uma jovem que cresceu na comunidade e desde a infância apresenta o amor pela tradição, recebeu a função da Dona Divina, que realizou a função por 20 anos.

Jovens se integram com entusiasmo, participando da organização, decoração dos espaços e acolhimento dos foliões. São orientadas por mulheres adultas e idosas que compartilham saberes, receitas, memórias e histórias. Essa rede de afeto e transmissão de conhecimento garante que a folia não se perca com o tempo. A tradição se transforma em uma verdadeira escola de valores, onde a fé, a solidariedade e a identidade cultural são ensinadas na prática.

Aulas de Canto
Ministrado pela professora Maria Luiza, com 12 alunos, todos os sábados.
Aulas de Violão
Ministradas pelo professor Carlos de Jesus, com 10 alunos a cada 15 dias.
Rodas de Conversa
Encontros de memória viva com os foliões.
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Comunicação Comunitária
Aulas em formato híbrido, também quinzenalmente.

Projeto em 2025

Em 2024, após a realização da Folia, a comunidade de Corumbajuba – representada pelos capitães da Folia, Pedro e Vicente, juntamente com Eurípedes Alves, atuante nessa tradição e em outras manifestações culturais de Orizona, e a Skambau Produções – decidiu elaborar um projeto que contribuísse para o fortalecimento da Folia de Santo Reis e do grupo de foliões. A proposta contemplava ações de formação comunitária, aulas de canto, violão e comunicação comunitária, além de pesquisa, organização de acervo, aquisição de instrumentos e outros itens que auxiliassem na preservação da memória e da tradição local.

Esse projeto foi aprovado na Política Nacional Aldir Blanc, em Goiás, por meio do Edital de Manutenção de Grupos e Cias Artísticas – 016/2024. Assim, em 2025 estão sendo promovidas oficinas culturais, rodas de conversa com foliões e aulas de música:

  • Canto, ministrado pela professora Maria Luiza, com 12 alunos, todos os sábados;
  • Violão, ministradas pelo professor Carlos de Jesus, com 10 alunos a cada 15 dias;
  • Rodas de conversa – encontros de memória viva com os foliões;
  • Comunicação Comunitária, em formato híbrido, também quinzenalmente.

As aulas de comunicação comunitária fortalecem o projeto ao contribuir para a pesquisa e produção de acervo audiovisual; formação em empreendedorismo cultural com a comunidade; organização de acervo de objetos, com curadoria especializada em patrimônio cultural e registro e difusão da memória da Folia.

Além das formações, houve ainda a circulação cultural entre os dias 11 e 15 de agosto de 2025, com a exibição do filme Folia de Reis de Corumbajuba e diálogos em 10 escolas do município, conduzidos pelo segundo capitão da Folia, Vicente Felizmino de Paula, e pelo proponente do projeto, Eurípedes Alves. Essa ação aproximou estudantes da tradição, propagando e fortalecendo a identidade cultural da região.

O projeto também prevê a aquisição de instrumentos musicais, manutenção de equipe e pagamento a 15 membros da Folia, em reconhecimento à seriedade, ao compromisso e ao valor do trabalho realizado como patrimônio local, goiano e brasileiro.

Quem faz acontecer

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